Desde que me tornei dermatologista, tenho o hábito de, muitas vezes, nas mais diversas situações, analisar como as pessoas se relacionam com sua pele e aparência no dia a dia. Por mais que isso possa parecer constante e uniforme, na realidade é algo que varia muito, e eu, como uma figura que lida com isso constantemente, vou notando esse padrão de flutuação.
Começo falando disso porque o nível de importância e preocupação que as pessoas têm com sua pele varia muito de acordo com todo o restante que está acontecendo em suas vidas. Claro que algumas pessoas sofrem com doenças de pele ou até condições que as obrigam a pensar nisso todos os dias, mas estas são as exceções. A maioria das pessoas não têm doenças de pele e nem convive com problemas graves.
Hoje, com as redes sociais sendo uma máquina de vendas e de manipulação, muitas pessoas se veem obrigadas a refletir sobre esse tema quando caem em algum algoritmo de propaganda de algum procedimento estético, e aí, esse tema acaba invadindo a vida da pessoa mesmo quando ela não está em um momento em que isso fosse relevante em si.
E essa reflexão sobre a pele pode vir em momentos diferentes, desde quando uma pessoa está triste e se sentindo feia e também se a pessoa está feliz e sente que sua pele está muito bonita. E é importante deixar isso evidente desde o início, porque essa relação entre saúde mental e percepção de pele é muito maior do que as pessoas gostam de admitir.
Já cansei de passar por situações sociais com terceiros em que uma pessoa triste me afirma que está com aparência “péssima”, muito embora eu não veja nada diferente nela, assim como é muito comum uma pessoa estar feliz e me afirmar que a pele está muito bem, querendo que eu confirme isso. Por mais que eu não seja a pessoa mais amigável ou agradável do mundo, eu acabo confirmando, não sou estraga prazeres. Muito embora depois eu fique em um certo conflito ético quanto a reforçar ilusões, mesmo que sejam por uma boa causa.
E eu deixei esse texto sobre elogios justamente porque, dentro de todas as interações que as pessoas têm, esses pequenos momentos em que se aponta algo positivo sobre outra pessoa têm um impacto muito grande na vida das pessoas. Recentemente, voltei a abordar lá no YouTube algumas enganações que nós temos na indústria de cosméticos e produtos focados em pele e estética. E ali acabei abordando em maiores detalhes o impacto que o efeito placebo tem em nossa cabeça e que, ao iniciar o uso de virtualmente qualquer produto, pode fazer a pessoa sentir e até ver mudanças na pele, mesmo que ele não faça nada.
Nesse caso, dentre todas as formas que as pessoas tentam contra argumentar para defender suas crenças pessoais (ou talvez não sentir o desconforto de admitir que foram enganadas), é usar o argumento de que ouviram elogios de outras pessoas após terem iniciado o uso de determinado produto. Esse é um fenômeno muito curioso que, lá atrás, quando comecei a trabalhar com dermatologista, já me chamou a atenção.
Uma das primeiras pacientes nas quais eu fiz aplicação de botox, avisou, logo em seguida, que já tinha visto uma diferença e alguém tinha elogiado a aparência dela. Só há um pequeno problema. O Botox só começa a fazer efeito dias depois. Nada havia mudado no rosto dela. Mas algo havia mudado na atitude e autoestima dela. E não há nada mais intenso para uma pessoa ficar bonita do que ela estar feliz.
Posso parecer exagerado com isso, mas tente mentalizar e comparar a aparência de duas pessoas. Uma delas está sorridente e confiante, e a outra está triste e olhando para baixo. A que está feliz vai parecer estar com uma aparência melhor, porque nosso cérebro associa coisas diferentes. Nesse caso, alegria é associada com beleza. E se adicionarmos autoconfiança com essa alegria, atitude e uma conversa animada, essa pessoa vai, definitivamente, ficar mais bonita.
Nesse momento, imagino centenas de momentos que já passei vendo pessoas interagindo e uma afirmando para a outra: você está radiante, está super bem, até sua pele está mais bonita. Claro que é importante fazer um adendo. Existem situações sociais em que as pessoas tentam animar uma pessoa que está triste e fazem elogios propositalmente para isso. Este texto não é uma generalização forçada para dizer que elogios surgem apenas em situações de felicidade. Existe um momento em que um elogio desses pode até ser danoso, como afirmar que não se entende por que a pessoa está triste, já que ela é tão bonita. O foco não é este.
A ideia principal aqui que eu gostaria que você refletisse é o quanto nós buscamos por tratamentos, cosméticos ou produtos buscando um reforço positivo de outras pessoas. E nesse caso, um elogio pode significar algo completamente diferente para pessoas diferentes. E, dentro de toda a indústria que temos atualmente, que vende sonhos e ilusões, é triste sentar e assistir a pessoas consumindo produtos inúteis todos os dias, quando o objetivo delas nem é tanto ter uma mudança concreta na vida, mas uma conexão com outras pessoas, seja em algo pequeno como um elogio.
Em um mundo onde a autoimagem é constantemente bombardeada e comparada, a pele, com sua visibilidade imediata, torna-se um reflexo da busca por aceitação e validação. Quando essa busca intensa encontra a promessa de uma solução rápida, um produto ou procedimento “mágico”, o desejo de pertencimento e a urgência de “corrigir” uma “falha” superam a crítica e bom senso. A ilusão se torna mais confortável que a verdade, pois ela oferece um atalho para a aprovação externa que tanto se deseja, mesmo que seja por um breve momento.
E um elogio realmente não custa nada, ainda mais quando pensamos que as pessoas podem elogiar as outras sem nada ter mudado. Mas muitos cosméticos, suplementos e produtos por aí custam bastante, e eles não querem te elogiar, mas sim reforçar todas as dores, dúvidas e angústias que você tem. Porque há um detalhe que eu não mencionei até agora em relação a esse padrão de argumento da melhora e elogio. Muitas vezes, eles terminam me perguntando: "E se eu parar, vai 'piorar' e vão parar de me elogiar?” Bom, temos como resolver isso, não? Até porque nem todos elogios são verdadeiros, e não podemos viver dependendo unicamente dos outros. Talvez a melhor solução mesmo seja começar a se elogiar todos os dias e lembrar do que gosta em si e não deixar todas as críticas e problemas que vê por ai dominarem sua mente.